Descrição
Ubiratan Brasil
Uma entrevista jornalística só acontece de fato quando um triângulo se forma, construção na qual o cimento se chama confiança – primeiro para estabelecer o jogo entre entrevistador e entrevistado, pessoas que muitas vezes não se conhecem mas que firmam um acordo mútuo de colaboração. Afinal, uma vez compartilhadas com outra pessoa, as confissões tornam-se públicas. E, fechando esse triângulo, surge o vértice mais importante, o leitor, cujo julgamento praticamente determina o sucesso ou o fracasso daquela entrevista.
É possível dizer que a jornalista Adriana Del Ré, um dos pontos desse triângulo que sempre se renova, sai-se vencedora nessa complicada, mas fascinante relação. Basta pinçar qualquer uma das entrevistas selecionadas para esse livro, fruto de seu trabalho como repórter do Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo.
Vamos à prova? Escolhi aleatoriamente um texto publicado em agosto de 2018, que traz uma conversa com Gilberto Gil que, à época, estava prestes a estrear um programa de televisão ao mesmo tempo em que utilizava seu novo disco, Ok Ok Ok, para refletir sobre o envelhecimento. As primeiras palavras do texto (“Existe uma plenitude no olhar de Gilberto Gil, de quem passou por uma tempestade e saiu ileso”) já bastam para captar a atenção do leitor (prova de que o sucesso da matéria é iminente) ao mesmo tempo em que prepara esse mesmo leitor para o emocionante teor da conversa que vai se descortinar em palavras diante de seus olhos.
Não é uma tarefa fácil, acredite. O entrevistado é, muitas vezes, alguém que vive o dualismo entre o desejo de contar sua história e o temor de ser mal interpretado. Pior: de suas palavras serem usadas contra si. Ao entrevistador, cabe a tarefa de quebrar o gelo até ganhar o voto de confiança de quem lhe conta uma história – atingido esse ponto, tudo se torna tranquilo como num voo em céu de brigadeiro.
Adriana tem o raro talento de conseguir as melhores histórias de seus entrevistados, muitas vezes arrancando confissões que só são declaradas pela consciência de que estarão em boas mãos. E, por falar nisso, Adriana é ciosa com o próprio texto, buscando sempre a melhor palavra, a expressão exata, aquelas que encantam e não enganam, tornando-a uma profissional respeitada no meio cultural brasileiro. Um trabalho tão meticuloso que, às vezes, transformava o processo de fechamento do jornal em uma verdadeira aventura, com Adriana gastando todos os minutos que lhe cabiam para deixar o texto final próximo da perfeição. Uma empreitada bem-sucedida, pois, ao final, todos saíam vencedores: a repórter, o entrevistado e, principalmente, o leitor.
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